9.2.12

scars - cap. V


Vejo o meu reflexo no espelho escuro e sujo da casa de banho.
A dor apodera-se de mim como um fogo que consome uma floresta que, já por si, se encontra desvastada.
Corre-me uma lágrima pela face, deixando um rasto de preto derivado do meu lápis dos olhos. Apanho-a com a língua quando passa pelos cantos dos meus lábios, secos e sem cor.
Toco o meu braço com a ponta dos dedos, hesitante, e volto a afastá-los. Tento uma segunda vez, já mais confiante, e passo o dedo indicador pelas minhas cicatrizes, não tão cicatrizadas assim. Sem sucesso, procuro o sangue que antes lá palpitava, tão feliz, tão cheio de vida. Mas não, as circunstãncias não o parecem permitir... Algum dia irão? Não, assim não.
Cansada de pensar no futuro, abro a minha caixa negra e retiro uma lâmina. Encosto-a à minha face e vejo os meus olhos nela refletidos.
Encosto-a à pele, e sinto o frio e o medo. Podia fazê-lo. E acabava, não haveriam mais problemas. Desenho com ela, ao de leve, uma linha vertical que me percorre a veia do braço. Deveria?
Sou brutalmente interrompida pelo toque do telemóvel e vejo no seu visor o nome que tanto desejava ver.
Atiro a minha caixa para debaixo do balcão - depois voltaria para a esconder melhor - e saio, pressionando ao mesmo tempo a tecla de atender.



Ouço a sua voz suave do outro lado da linha:
- Estou?
Sorrio, e respondo-lhe. Posso senti-la, mesmo através do telefone. O seu cheiro, o seu toque, o seu sabor. Não a conseguira tirar a cabeça desde aquele beijo rápido perto dos seus lábios - oh, aqueles lábios carnudos e rosados que eu tanto anciava - até me enfiar na cama, pensativo, sonhador.
- O que queres? - ela parecia fria e distante, e isso gelava-me, mas não desistiria. Não assim, não tão facilmente.
- O que é feito do tal encontro? - pergunto eu, agradecendo por ela não me poder ver corar tão fortemente.
À sua ausência de resposta, apresso-me a propôr:
- Hoje é sexta. Depois de jantar, no cais. Pode ser?
- Uhum - ela parecia ter dificuldades em falar. Estaria desinteressada? O meu estômago dá três voltas e a minha traqueia enrosca-se em si própria.
Surpreendo-me a mim mesmo quando dou comigo a deixar um silvo de raiva e umas palavras de mágoa escaparem abrutamente:
- Tipo, se é para me dares tampa, diz já que não queres. Já passei por demasiadas desilusões e longe de mim deixar uma miú... - mas sou interrompido:
- Tiago, não há nada que gostaria mais de fazer do que rever cada traço de ti. Não me façar voltar atrás com a minha decisão. - e desligou o telefone.

2 comentários:

  1. Escreves tão bem!
    Tens futuro nisso, Inês.
    Muitos beijinhos

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  2. lindo , lindo, lindo , continua *w*

    kisses ; mafalda ♥

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