25.4.12

nightmares


Meus pés frios dançam ao sabor do sonho quando sou brutalmente interrompida por algo terrível ao qual gosto de chamar realidade.
Lentamente é movida a minha nuca pelo medo congelante da solidão. Mas não, não tardo em notar a tua ausência angustiante. Não tardo a estender o meu corpo na metade da cama onde pertences e a soltar um suspiro desesperado, assim como uma lágrima, que o acompanha. Um furacão envolve o meu corpo fraco, furacão frio, que chegava a fazer-me acreditar que os ventos do Norte e do Sul, tão antigos inimigos como os Anjos e Demónios, se uniram para me derrotarem nesta sensação avassaladora e gélida.
É difícil que as Sombras vagueantes, saídas do esconderijo durante os meus sonhos, voltem à escuridão antes que as vislumbre e me encha de arrepios incontroláveis. É difícil controlar o medo, as Vozes. E tão obscuras são elas, tão autoritárias e cativantes que tenho de cerrar os olhos com todas as minhas forças.
Regresso à berma da cama e encolho as pernas de tal forma que me tocam e fico totalmente dobrada sobre mim mesma. Rodeando o corpo com os braços e beijando uma última vez o teu retrato, na minha mesinha de cabeceira, adormeço condenada a pesadelos eternos nos quais reinam a solidão e a saudade.


20.4.12

amargo vício

 

A correria desenfreada que me faz percorrer o corredor leva-me a tropeçar nos meus próprios pés desajeitados. O desespero possui todo o meu corpo e os meus músculos são comandados a fazer uma e só uma coisa: obter aquele pedaço de metal.
Quando num mero objeto escolar encontro o que desejo, destruí-lo torna-se fácil e rapidamente me encontro a segurar entre os meus dedos, tão magros e frios, uma forma retangular, afiada ao longo do seu comprimento, com um dos cantos arredondados. Meros pormenores que ficam na nossa mente cravados como Excalibur se encontrava presa na sua rocha, firme, sólida. Mas compararmos a nossa mente a algo sólido é uma estúpida enganação, é atrevermo-nos a proferir que o mar é amarelo e que os pássaros têm braços.
O meu reflexo surge na pequena forma espelhada e os meus traços encontram-se firmes, serenos, sem qualquer registo de sentimento identificável. Vazia, não sinto, não vejo, não ouço. Encosto apenas a minha eterna desgraça à pele e sinto o fio da lâmina gélida deixar uma marca reta e pequena na minha coxa. 
O primeiro é sempre o mais doloroso. À medida que vou respirando, deixo de sentir dor, e o sangue que forma pequenas bolhas nos cortes frescos fascina-me. Toco-o, espalho-o, sinto o seu sabor. Sabor tão salgado de incertezas e ilusões, de mentiras, de frio, de morte. 
À medida que as marcas se alastram na minha pele perco a noção do que é certo e errado, perco o bom senso e nem por isso me importo. De que vale preocupar-me, afinal?
Sinto a dor que jorra de dentro de mim tornar-se cada vez maior, e vou mais fundo, castigando-me por habitar o corpo de um ser tão meramente desprezível e achar que neste mundo existe espaço para uma alma tão facilmente substituível. 
Com os dedos encarnados e a pele ardente, vislumbro o meu rosto seco no espelho do meu quarto e só então noto que nem uma lágrima fora derramada quando o vício se apoderou de mim.

14.4.12

let me die


Ela caminha nos seus saltos como uma donzela,
por onde passa é chamada de Cinderela.
Pouco sabem eles que não passa de Gata Borralheira
que leva, na imundice da sociedade traiçoeira,
uma vida supérfula de pesadelos que não acabam,
de noites em branco, de lugares vazios,
de caminhos em vão percorridos
porque ao tentar escapar, 
ao início não pode evitar regressar.

Um sorriso está no seu rosto tatuado,
eternamente fingido, eternamente forçado.
Que falsa felicidade reina em sua face,
que real agonia explode em seu peito,
destacando de seu corpo cada defeito.
Princesa fingidora, deusa mentirosa,
monstro destruidor de esperanças sem fundamento.
O que fazer? A quem recorrer?
Quando ninguém conhece realmente o seu sofrimento...

Doce Bela Adormecida,
patética demonstração de vida.
Que ser tão profundamente desajustado,
que universo tão estranhamente alterado,
que vida tão cheia de mentiras,
que figura triste, sozinha ao relento.
Eles olham-na mas a realidade é inacreditável:
pois o que ela mais deseja é o salvamento,
antes do fim, cruel e inevitável.


11.4.12

scars - cap. X



A dor da queda mal se sente, mas a lâmina que me atravessava agora a pele da perna fazia uma cascata vermelha jorrar do ferimento. Com as minhas mãos procuro estancar o sangue e, encontrando um tecido roxo perto de mim, pego-o sem pensar e enrolo-o na perna. Faço tudo isto com gemidos angustiados, mas procurando que não me ouçam. Vá, Mafalda, - penso - tu consegues, já passaste por isto antes... E levanto-me apoiando-me apenas na perna direita e segurando-me onde consigo, para recorrer à gaveta do meu quarto. Com a mão livre arranco a minha pequena garrafa de uma bebida alcoólica qualquer, que já estava aberta há demasiado tempo, e um pequeno quadrado de papel com uma linha enrolada e uma agulha presa entre as dobras desta.
Respiro fundo e retiro também, da caixa redonda, um cigarro e o isqueiro. Acendo-o com dificuldade e deixo-o a flutuar nos meus lábios molhados pelas lágrimas silenciosas que caíam dos meus olhos. Entre baforadas de fumo e do cheiro a tabaco, enfio a linha na agulha com uma perícia que gostava de não ter adquirido por razões óbvias, pelo menos aos meus olhos. Ao desenrolar o tecido roxo manchado de encarnado, atiro-o para o meu lado e lanço-lhe um olhar, o que me leva a ficar estática. O cigarro cai-me dos lábios, os teus olhos abrem-se muito, o meu queixo treme e a agulha cai na pele onde a lâmina ainda está espetada, como as espadas usadas para combater os infiéis estavam espetadas nos seus inocentes corações.
E os sentidos, já atordoados de exaustão, falham-me.




As minhas pernas começam a tremer depois de correr três quilómetros e ainda não ter parado. Depois de uma chamada nada esperada do meu telemóvel, deixei tudo para trás e corri como o vento até onde me chamaram, até onde a minha flor de lótus esperava por mim, precisava de mim! Passei os seguranças com a mesma velocidade que empurrei as portas do hospital, escorregando no chão ainda molhado depois da limpeza de fim de tarde. 235, 236, 237... 239, aqui estava.
Algo me faz parar à porta do seu quarto. Uma força mais forte que a gravidade prende-me ao chão de tijoleira branca com umas pintas pretas aqui e ali. Algo me faz parar e rolar uma lágrima pela minha face triste e não quero avançar. Quero voltar para trás, voar até às ruas que vagueio e fingir que nada disto aconteceu. Mas não posso, não posso desiludi-la dessa maneira.
Depois de entrar no quarto, abraço a sua mão fraca e pálida com a minha. Ao seu sono profundo respondo com um beijo apaixonado nos lábios, e, obviamente, não espero que mo retribua. 
- Oh, minha princesa, minha bela adormecida, não te posso deixar sozinha um segundo, pois não? 
E, mesmo num estado de sono pacífico e profundo, podia jurar que ela me lançara um sorriso de volta.

5.4.12

ugly


Estou tão cansada da imagem que o espelho me devolve quando o olho. Estou tão cansada da repugnância que sinto quando me vejo refletida em qualquer superfície - no computador quando estou em chamadas de vídeo, num vidro no qual descem gotas de chuva apressadas, numa piscina de água de um azul quase transparente que ondula como os meus pensamentos ao ver-me - que o meu sorriso, se existir, é-me brutalmente arrancado da face e atirado para longe, para tão longe que já não o consigo ver. E depois perguntam-me o que se passa, se fizeram algo para me deixar assim, tão triste e distante, procurando o meu sorriso. Claro, pois. Eu, como egoísta e estúpida criança que sou, não podia ser infeliz sem atrair mais pessoas para a onda negra que as trevas lançam sobre mim e na qual me afogo.
Estou legitimamente cansada de não ter a liberdade de fazer o que gosto sem ser invadida por esta infelicidade, porquê? Porque para onde quer que olhe, tudo o que vejo é beleza, tudo o que vejo é aquela ideia de perfeição que uns admiram, outros tentam alcançar. Confiança, beleza, formas. Sinto a necessidade de baixar a cabeça, frustrada, magoada. 
Esta face persegue-me, este corpo assombra-me. Estes olhos escuros como a noite, boca seca como um deserto, estas mãos frias e braços magros, esta pele áspera e este formato que ninguém desejaria observar, muito menos possuir.
Estou cansada de ver beleza em tudo, exceto em mim.