22.10.12

estou aqui


Amor? Estás aí?
Onde andas, coração? Tenho-te procurado. Levanto pedras enormes, desvio ramos pesados, percorro cada canto da floresta negra que me envolve tentado encontrar-te. Inutilmente. Não estás aqui, partiste: porquê? Porque te foste sem prévio aviso, porque me deixaste aqui, esperando em vão o dia em que me voltarias a tomar nos braços? Não consigo largar os fios de seda que nos unem um ao outro, vermelhos como sangue, escorregando pelos nossos tornozelos. Afastas-te e corro atrás de ti, tentando manter os frágeis laços que nos unem, mas tu não queres; o vazio negro no meu coração afirma estar para ficar. Coração, volta. Une-te a mim, completa-me: creio já não me conhecer, sou uma estranha num corpo odioso, prisioneira de minha própria mente, vítima de promessas quebradas e juras esquecidas. Lembras-te de mim? Recordas-te, como eu, de todos os pormenores da vida que construímos? Sentes a minha falta, sentes algo de todo?
Ficou algum dos pedacinhos de mim, que tão prontamente te dei, na tua memória?
Estou aqui, chamo por ti, mas não me ouves, ou não me queres ouvir. Tapas os ouvidos, com as mãos que em tempos descobriram lugares só teus, num mundo que era eu, e já não sou. Foges de mim, escondes-te, e tenho medo que nunca mais voltes, só quero que voltes. Um novo começo, seja como for, conversas pela noite dentro, abraços apertados, aventuras secretas nos sonhos que partilhamos.
Volta, coração, não posso esperar para sempre.

14.10.12

tell me why


Antes de começares a ler, quero deixar claro que vou despir os meus dedos de qualquer tipo de magia que já possuíram, desprovir este texto de palavras caras e bonitas, como sólidos ovais dotados de cores em tons de pastel, fios de ouro e pedras preciosas, porque este sentimento tão negro não merece ser, de forma alguma, chamado de belo.
Escrevo-te, meu amor, porque não consigo mais suportar a dor no meu peito, que cresce a uma velocidade maior que a da própria luz. A dor da dúvida, aquela que me assombra, o não saber, a incerteza, a falta de conhecimento, chama-lhe o que quiseres. A minha alma vibra ao som de canções entoadas com apenas piano, uma nota atrás da outra, uma sinfonia abismante, sequência de sons que estremecem o chão que piso de forma assustadora, ao ritmo de quem não pode ver. Não te posso ver, meu amor, não te sinto comigo, não te tenho aqui e não sei. Onde, quando, como e porquê, são mil e uma perguntas que entoam na minha cabeça, são as notas do piano, palavras e frases, emoções sem nome nem descrição. Não sei se a distância apagará o teu amor por mim ou intensificará a saudade, não sei porque me falas sem o intuito de acabares a conversa, deixas meias-palavras a pairarem num ar sufocante, não sei porque é que vives tão intensamente em mim se não tens intenção de voltar... Não sei porque te foste, o que fizemos de errado, como acabámos assim? Ou talvez até saiba e não queira encarar os factos, feios como monstros de feições deformadas e horrorizantes, mas alguma vez existiram factos numa paixão tão ardente como a nossa?

11.10.12

1 & ½


Folhas amarrotadas no canto de uma sala escura. Fios líquidos e transparentes pendem do teto, arrastando-se mesmo até ao chão de tábuas quebradas, feitas de madeira frágil, já velha, apodrecida pelo tempo. Os pregos parecem soltar-se mais ainda com a força dos meus pensamentos, turbilhões de ideias, explosões de cores descoloridas, mortas, sem vida. Mas, como se o papel me assustasse, toda a minha sede de criar evapora-se no ar gélido quando tento expor o que o meu coração grita. Espreito só pela janela pequena do cubículo onde me encontro.
Este clima transmite-me uma estranha sensação de tranquilidade, apazigua a minha ânsia, o nervoso descontrolado que se me forma dentro do peito. Talvez seja, de alguma forma, o ruído da chuva que bate violentamente nas pedras sujas e gastas, na terra ressequida, na chapa metalizada de um edifício ali perto. Ou talvez tenha a ver com a luta de forças entre os ramos de árvores de tons acastanhados pelo outono e o vento, forte e frio. Talvez seja a rebelião da natureza que me é comum, contra um mundo que já não a quer, substituiu-a por linhas elétricas e ondas sonoras, como o meu mundo deixou de me querer...
Deixaste, não foi? Então faz algo por mim, peço-te: apaga-me. Queima, com labaredas vermelhas e alaranjadas, as fotos, rasga os desenhos, destrói os presentes e mutila as cartas, acaba com tudo o que tivemos, mil e uma histórias de amor num livro que ficará para sempre inacabado. Apaga-me, mas não me esqueças: guarda a minha imagem no coração que um dia me entregaste, os meus olhos a estreitarem-se, os lábios abertos e as bochechas rosadas, aquele sorriso que tanto amaste rasgado no rosto depois de cada beijo, sorriso prova da felicidade que já senti, que receio não voltar a sentir.
Sabes que dia é hoje?