27.6.12

rimas quebradas

Sinto o frio no pulso.
Tenho a morte na mão.
Sou rainha do gelo,
Quente como o verão
Desisti de tentar,
Do sonho de viver.
Deixei de orar
Quando vim a perder
O meu céu e o meu ar.

Sinto a chama no peito.
Tenho o gelo no olhar.
Sou doce como as nuvens,
Salgada como o mar.
Jurei a eternidade
A quem não me deu se não fins.
Amei intensamente,
Perdoei cegamente,
E em teus braços me perdi.

Sinto a melodia nos membros.
Tenho a música na alma.
Sou harmoniosa pianista,
Dispensável artista.
Cantei ao som da vida
Até a voz me morrer.
Toquei incansavelmente
Para, no princípio do fim,
Me cortarem as cordas e o som.

Sinto a tortura agonizante.
Tenho a caneta entre os dedos.
Sou, fui ou já fora
Poeta, atriz e escritora,
Dona de uma alma quebrada.
Mil rios de sangue chorei,
Os céus e a terra amaldiçoei.
A voz faltou-me, mas gritei,
Até que caí, exausta e vazia.

18.6.12

lock our love


A chama arde de forma tão ligeira que mal notamos a presença da luz que rasga o ar.
Parece ter medo de se acender de novo, de alguém notar a sua presença. Parece sentir um medo incontrolável de que alguém sopre o seu fogo e o apague, por isso arde com receio. Arde baixa e fraca, como uma criança que canta para afugentar os seus medos mais terríveis, mesmo sem deixar de lado a hipótese de ser por eles aprisionada.
Aquela flor seca, cujas pétalas dançam, pendentes, ao sabor do perigo, fecha-a. Aquele cristal quebrado que transforma um raio de luz em mil e um de cores brilhantes e vivas, tranca-o. Aquele caderno cujas folhas foram rasgadas, arrancadas pela fúria e deixadas ao abandono, guarda-o.
Prende o que nos resta numa caixa pequena e guarda-a dentro de uma maior. Não são necessárias esmeraldas a enfeitar o topo ou bordas de ouro e prata entrelaçados: só preciso de segurança, de um aloquete forte de ferro, forjado de forma a proteger-nos contra o frio, a chuva, o gelo e os relâmpagos.  
Preciso de sentir, no teu peito quente e forte, o bater apressado e, ao mesmo tempo, tranquilizante de um coração demasiado magoado para amar com a mesma intensidade que um dia amou.
Beija-me os olhos, escuros como as trevas, que um dia brilharam por um vislumbre dos teus.
Beija o corpo que um dia deste graças por te pertencer e tranca o nosso amor numa caixa escondida em forma de coração.


10.6.12

"eu não te amo"


Com o coração inundado de medo, perscrutei o edifício que em tempos me fora estranhamente familiar. Um ambiente estranho dava ao ar uma áspera sensação de tristeza, de vazio. Toda eu era calafrios e tentei recompor-me em duas ou três milésimas de segundo. Fui, claramente, insucedida.
Baixei-me para recolher nos meus braços uma bola de pelo cheia de vida. Um sorriso aflorou-me nos lábios secos, fazendo-os rasgarem-se violentamente e chorarem sangue sem que eu desse por isso, e encostei o meu nariz ao da pequena criatura que tantas memórias me trazia. 
Um ruído despertou-me desta aura de magia e deixei o gatinho guiar-me na busca pela sua causa.
Foi aqui que te vi.
O teu cabelo rebelde tinha-se tornado mais escuro e a tua pele mais fraca. Admirei o teu corpo numa t-shirt clara e as calças escuras que sempre te cobriam as pernas. Admirei os teus ombros largos, braços fortes e mãos... Oh, o que sentira nas vezes em que me entregara àquelas mãos. 
Quando o teu corpo girou na minha direção, a intensidade do teu olhar fez o meu coração descer ao estômago e a minha traqueia dar um nó em si própria. Imediatamente depois desci a teus lábios e mais não vi: por muito que me tivesse tentado convencer a controlar este desejo insaciável, lancei o peso do meu corpo sobre o teu e esmaguei os teus lábios com os meus. Ansiava pela tua essência, queria provar-te de novo, queria que voltasses a ser meu.
Não me mostrei surpreendida quando a tua força abismal me empurrou contra uma parede do outro lado da casa, nem quando o teu olhar duro me gelou as veias, mas consegui ouvir, sentir, ver, cada pedacinho do meu coração a saltar quando disseste aquelas quatro pequenas palavras, que ambos sabíamos serem bem mais do que simples palavras.

Insecáveis eram as lágrimas que me escorriam pela face quando acordei deste pesadelo, tão real.

5.6.12

não me deixes cair


 Não me lembro da última vez que o vento me roçara na face desta forma. Os meus cabelos despenteados mostravam uma coisa, mas as minhas células traíam-me, e sabia que nada sentira. Não sentira o frio da brisa, talvez porque não havia contraste possível: eu própria era frio, toda eu, agora. Frio e nada mais, gelo, morte. Talvez por isso não me custasse tanto.
Sorri. Não de felicidade nem nada que se assemelhasse a esse sentimento, que há tanto tempo não me visitava, mas sim de calma, de tranquilidade, de conformismo, se quisermos entrar nesses termos.
Farta de estar imersa nestes pensamentos, olhei uma última vez para o céu salpicado de estrelas e, de olhos fechados, mergulhei na escuridão de emoções, os dois pés ao mesmo tempo, não me dando hipótese de quaisquer arrependimentos, e sinto-me a furar o nada, a chegar ao fim, a cair, a cair...

Páro. 
Calma, suavidade, paz. Estou morta? Acabou? Não, não pode, foi demasiado rápido, demasiado fácil.
Meus pés não tocam o chão mas sim baloiçam ao sabor da brisa e com um vislumbre posso deparar-me com uma força a manter o meu corpo suspenso no vazio pela minha mão esquerda. E os meus olhos, desprovidos de qualquer tipo de brilho, não tardam a encontrar a figura que ali me mantém, presa por um braço pincelado de cicatrizes. E a minha alma perdida não tarda a encontrar a tua voz, tão doce e tranquilizante. Não tardo a perceber que me tens mantido presa a este mundo por uma eternidade que passou como um meteorito minúsculo no meio do universo, a meus olhos. Não tardo a perceber que és a única forma de vida que me mantém aqui, mesmo quebrada, vazia, incompleta, mas com uma réstia de oxigénio que não me deixa partir, fugir, desaparecer, como tanto quero e não tento esconder.
A única questão a ser colocada encontra-se no tempo em que serás capaz de suportar o peso do meu coração, negro e despedaçado.