11.10.12

1 & ½


Folhas amarrotadas no canto de uma sala escura. Fios líquidos e transparentes pendem do teto, arrastando-se mesmo até ao chão de tábuas quebradas, feitas de madeira frágil, já velha, apodrecida pelo tempo. Os pregos parecem soltar-se mais ainda com a força dos meus pensamentos, turbilhões de ideias, explosões de cores descoloridas, mortas, sem vida. Mas, como se o papel me assustasse, toda a minha sede de criar evapora-se no ar gélido quando tento expor o que o meu coração grita. Espreito só pela janela pequena do cubículo onde me encontro.
Este clima transmite-me uma estranha sensação de tranquilidade, apazigua a minha ânsia, o nervoso descontrolado que se me forma dentro do peito. Talvez seja, de alguma forma, o ruído da chuva que bate violentamente nas pedras sujas e gastas, na terra ressequida, na chapa metalizada de um edifício ali perto. Ou talvez tenha a ver com a luta de forças entre os ramos de árvores de tons acastanhados pelo outono e o vento, forte e frio. Talvez seja a rebelião da natureza que me é comum, contra um mundo que já não a quer, substituiu-a por linhas elétricas e ondas sonoras, como o meu mundo deixou de me querer...
Deixaste, não foi? Então faz algo por mim, peço-te: apaga-me. Queima, com labaredas vermelhas e alaranjadas, as fotos, rasga os desenhos, destrói os presentes e mutila as cartas, acaba com tudo o que tivemos, mil e uma histórias de amor num livro que ficará para sempre inacabado. Apaga-me, mas não me esqueças: guarda a minha imagem no coração que um dia me entregaste, os meus olhos a estreitarem-se, os lábios abertos e as bochechas rosadas, aquele sorriso que tanto amaste rasgado no rosto depois de cada beijo, sorriso prova da felicidade que já senti, que receio não voltar a sentir.
Sabes que dia é hoje?

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