Deixaste-me afogar nas lágrimas, por mim derramadas, no final de uma primavera sem cor. Roubate-me a alma, mas nem por isso a dor que a faz contorcer-se desesperadamente; nem por isso a escuridão que a controla.
Os desejos de frio, de morte, os pesadelos e pensamentos tão sombrios como as próprias sombras, o medo, o alívio, o tudo e o nada, tu e eu, o sol e a lua, Roubaste-me a vida - não que a preservasse - e remeteste-me à existência, à torturosa dor de uma rotina indesejada.
Nunca me poderei culpar o suficiente por te ter quebrado as asas. Por te ter impedido de, com as tuas penas brilhantes e douradas como mel, relíquia semelhante à doçura da voz que outrora me prometera a eternidade, levantares voo e rasgares o céu com a minha presença em ti. Voltar a ser parte de ti, oh, que sonho louco e irreal. Mas não passa disso, um sonho, porque agora a tua ambição é correr, com as asas magoadas debaixo do braço. Correr sem fim, sem uma palavra de despedida, sem destino, sem lágrimas, sem arrependimentos. Correr para esse mundo no qual sempre desejaste viver e esperar até que as tuas asas partidas regenerem.
Interrogo-me se serás realmente feliz nessa tua outra realidade, sem quem um dia juraste ser a própria vida para ti.