A dor da queda mal se sente, mas a lâmina que me atravessava agora a pele da perna fazia uma cascata vermelha jorrar do ferimento. Com as minhas mãos procuro estancar o sangue e, encontrando um tecido roxo perto de mim, pego-o sem pensar e enrolo-o na perna. Faço tudo isto com gemidos angustiados, mas procurando que não me ouçam. Vá, Mafalda, - penso - tu consegues, já passaste por isto antes... E levanto-me apoiando-me apenas na perna direita e segurando-me onde consigo, para recorrer à gaveta do meu quarto. Com a mão livre arranco a minha pequena garrafa de uma bebida alcoólica qualquer, que já estava aberta há demasiado tempo, e um pequeno quadrado de papel com uma linha enrolada e uma agulha presa entre as dobras desta.
Respiro fundo e retiro também, da caixa redonda, um cigarro e o isqueiro. Acendo-o com dificuldade e deixo-o a flutuar nos meus lábios molhados pelas lágrimas silenciosas que caíam dos meus olhos. Entre baforadas de fumo e do cheiro a tabaco, enfio a linha na agulha com uma perícia que gostava de não ter adquirido por razões óbvias, pelo menos aos meus olhos. Ao desenrolar o tecido roxo manchado de encarnado, atiro-o para o meu lado e lanço-lhe um olhar, o que me leva a ficar estática. O cigarro cai-me dos lábios, os teus olhos abrem-se muito, o meu queixo treme e a agulha cai na pele onde a lâmina ainda está espetada, como as espadas usadas para combater os infiéis estavam espetadas nos seus inocentes corações.
E os sentidos, já atordoados de exaustão, falham-me.
As minhas pernas começam a tremer depois de correr três quilómetros e ainda não ter parado. Depois de uma chamada nada esperada do meu telemóvel, deixei tudo para trás e corri como o vento até onde me chamaram, até onde a minha flor de lótus esperava por mim, precisava de mim! Passei os seguranças com a mesma velocidade que empurrei as portas do hospital, escorregando no chão ainda molhado depois da limpeza de fim de tarde. 235, 236, 237... 239, aqui estava.
Algo me faz parar à porta do seu quarto. Uma força mais forte que a gravidade prende-me ao chão de tijoleira branca com umas pintas pretas aqui e ali. Algo me faz parar e rolar uma lágrima pela minha face triste e não quero avançar. Quero voltar para trás, voar até às ruas que vagueio e fingir que nada disto aconteceu. Mas não posso, não posso desiludi-la dessa maneira.
Depois de entrar no quarto, abraço a sua mão fraca e pálida com a minha. Ao seu sono profundo respondo com um beijo apaixonado nos lábios, e, obviamente, não espero que mo retribua.
- Oh, minha princesa, minha bela adormecida, não te posso deixar sozinha um segundo, pois não?
E, mesmo num estado de sono pacífico e profundo, podia jurar que ela me lançara um sorriso de volta.
Adoro tanto...simplesmente fantástico.
ResponderEliminartens mesmo de escrever um livro...
ResponderEliminarNEM QUE SEJA EU A FAZER ISSO, PORQUE EU VOU SER JORNALISTA E COISE E TAL.
nádia ;3