19.1.12

scars - cap. I

 


 A mala estava parcialmente vazia, a única mala que me acompanharia, mas ao mesmo tempo, cheia. Os bens materiais eram poucos, mas os sentimentos que em mim residiam, ocupariam dezenas de malas maiores que esta. Mas isso é facultativo. Olho à volta cuidadosamente, para ter a certeza que ninguém está a ver, e estendo o braço para debaixo da cama. Agarro na minha caixa.
É uma caixa preta com uma rosa vermelha na tampa, pequena. Fora-me deixada pela minha tão adorada avó, quando se encontrava no leito de morte. Abro-a, para me assegurar que todo o conteúdo está presente. Bilhete, isqueiro, brincos - rosas, negras -, pulseira, cigarros, lâminas, comprimidos. Encontra-se tudo exatamente onde o deixei, ótimo. Enfio a caixa no meio das minhas roupas gastas, agarro na mala , pego na Elly e saio.


É a terceira vez que lhe telefono num espaço de dez minutos. Foda-se! Passo as mãos pelo cabelo já despenteado e dou um murro na parede. Aumento a música da rádio, com medo que ainda possam ouvir os meus gritos de frustação, ou, pior, as minhas lágrimas.
À quarta vez, ela atende:
- O que é que queres?!
Só agora me deparo com um facto aterrorizante: não faço ideia do que dizer.
- Estou à espera! - ela grita, impaciente.
- Lé... Porque estás a fazer isto?
- Porra Tiago, estás a agir como um puto infantil e desesperado. Tudo tem um fim, tudo, e o meu amor por ti não é exceção. Eu já não te amo, vê se me esqueces!
Ouço o "tu, tu, tu" do telefone desligado. Sinto uma fúria e revolta que nunca sentiria, e atiro o telemóvel pela janela do meu quarto. Na verdade, apetece-me atirar-me também. Que cabra! Só consigo pensar em como ela me enganou, quando estávamos juntos: em todas as promessas que ela jurara cumprir. Em todos os toques, momentos, sussurros: tudo me preenchia de amor. E era tudo mentira.
Agarro na trela do Alex e saio, sem dizer uma palavra.

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