15.2.12

scars - cap. VI (2ª parte)





- Não me digas, também te partiram o coração? - ele perguntou, com um ar distante e triste.
- Sim, suponho. Também, como assim?
- Chamava-se Letícia. Apanhei-a no ato, com outro.
- Isso é horrível! Lamento, muito - a minha testa franze-se com tristeza e chego mais perto dele, fazendo os nossos corpos ficarem encostados um ao outro. Pondo a sua mão quente, sobre a minha, gelada, pergunta:
- E tu? Quem foi o idiota que partiu o teu coração?
- Diz antes a idiota.
Surpreendido - não, embasbacado - retira a mão e encara-me atónito.
- És lésbica??
- Não vejo porque o ser humano precisa de rotular as coisas. Se me apaixono por um rapaz, apaixono-me por um rapaz - olho para a lua enormíssima e maravilhosa - e se me apaixono por uma rapariga, apaixono-me por uma rapariga.
Depois de minutos de silêncio, ele voltou a agarrar-me as mãos, as duas, e retomou a palavra, encarando-me:
- Ela não te amava?
Baixo a cabeça, e tento parar as lágrimas que ferozmente lutavam contra mim, tentando escapar. E, surpresa das surpresas, quando ele me agarra junto a si com força e sussurra:
- Está tudo bem, estou aqui. E não vou a lado nenhum.
Com os nossos narizes já a tocarem-se e os nossos lábios a escassos milímetros de distância, trememos de frio e calor ao mesmo tempo. Ele vem-se aproximando de mim, levemente, como uma brisa fresca de verão no meio do inverno, e os meus olhos vão fechando-se esperando pelo momento que ansiava mais do que tudo...
Mas era bom demais para ser verdade, claro. Já por isso um choro horrível e angustiante de uma criança de colo nos distrai do nosso propósito, levando-o a exaltar-se e cair no rio transparente e gelado, e por sua vez puxar-me com ele.
Sorrio e, nas águas geladas, com as roupas coladas ao corpo e as suas mãos a segurar-me junto a si, olho a lua gloriosa e magnífica no céu despido de nuvens, e pergunto sem esperar resposta:
- Não é a coisa mais bonita que alguma vez viste?
- Não...- e olho para ele, para me deparar com os seus olhos a fitarem-me - não, já vi melhor.
E beijou-me ardentemente, sem esperar pela minha reação.

scars - cap. VI




Cabisbaixa com sempre, ela chega, maravilhosa. Arrasta os pés em passos pequenos e rápidos, e vai traulitando uma melodia qualquer, sem emitir um som. Retira os fones dos ouvidos quando está a meio metro de mim, e olha-me nos olhos, queimando-me, pela milésima vez, com aquelas esmeraldas brilhantes.
- Vieste.
- Disse-te que viria. - a sua voz soa nos ares infinitos mais certa, mais confiante, mais segura do seu poder enfeitiçante. Vejo-a morder os lábios despidos de cor e secos, que eu desejava preencher novamente de vida, mas contenho-me.
Sentámo-nos na beira do rio, os nossos pés a pouco espaço da água, e olhamos o céu estrelado, cheio de sonhos escondidos e começo:
- Então, hoje é dia 14.
- E...?
- Dia dos namorados...
- Oh, a sério? - ela mostrou-se legitimamente surpreendida, mas não a julgo por isso. Até eu tenho dificuldade em notar a passagem tão rápida, do tempo, pelas nossas míseras vidas incompreendidas.
- Suponho que... hm... - tenho a todo o custo não engasgar-me, por isso desvio os meus olhos da sua face preciosa - suponho que ao mudares de cidade, tenhas deixado também a escola. Amigos... namorado?
Ela solta uma risadinha que me faz corar.
- Não, nem por isso. Acho que... acho que nunca pertenci realmente àquela cidade - as esmeraldas brilham, com medo de deixarem uma chuva de lágrimas delas escorrerem.

12.2.12

i'm afraid


Saudades do tempo em que sabia o que tinha e o que era: o tempo em que tudo era certo e não haviam receios que me faziam verter mil e uma lágrimas a cada milésima de segundo. Procuro entre as trevas da minha alma o meu porto de abrigo: vou levantando os ramos de incertezas e medos que me cobrem os olhos. 
Procuro-te e chamo por ti, a minha luz na escuridão, o meu pedacinho de céu... E pergunto-me onde poderás estar.
Encontro-te mais tarde num canto aninhado, com a cabeça encostada às pernas que abraçavas. Tremendo, emites um gemido triste e desamparado que me faz correr para ti. Fazes mais força com a cabeça para que não te veja chorar: oh, sempre odiaste que te visse chorar. O meu cavaleiro forte, lutador, sempre te quiseste mostrar assim, sem uma réstia de fraqueza no teu coração de leão. Mas não precisas de esconder as lágrimas, pequeno. Secarei-tas de bom grado, e abraçar-te-ei junto ao peito, para que possas ouvir o meu coração a chamar o teu nome com sussurros apaixonados.
Deixa-me voltar a preencher-te de amor.


10.2.12

my heart hurts


Tenho que desviar os meus olhos quando estes pairam sobre os teus, porque me partem o coração.
Frios, escuros, nevoados pela dúvida e incertezas sem fim. O fogo aceso que antes neles brilhava apagou-se, e a chama dos meus olhos, assustada, procura-o anciosamente, não querendo acreditar que partiu. As lágrimas correm-me pela face, imparáveis, e a lâmina chama por mim. Sussura o meu nome tentando seduzir a minha mente, baralhar-me as ideias e cativar-me para o abismo de onde acabei de sair. Olho-me no espelho e já não vejo a mesma pessoa. Não, eu não tinha este rosto assim, tão sereno, tão calmo, tão triste, tão vazio, tão desprovido de cor e sentimento. Não tinha estas mãos tão frágeis, tão sem força, tão frias e mortas. Não tinha este corpo cansado e dorido, nem tinha este coração inundado de feridas. Feridas antigas que foram abertas e feridas acabadas de ser rasgadas no orgão que palpita, ou palpitava, por ti. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão rápida, tão certa e, ao mesmo tempo, inacreditável : em que espelho ficou perdido o nosso amor?


9.2.12

scars - cap. V


Vejo o meu reflexo no espelho escuro e sujo da casa de banho.
A dor apodera-se de mim como um fogo que consome uma floresta que, já por si, se encontra desvastada.
Corre-me uma lágrima pela face, deixando um rasto de preto derivado do meu lápis dos olhos. Apanho-a com a língua quando passa pelos cantos dos meus lábios, secos e sem cor.
Toco o meu braço com a ponta dos dedos, hesitante, e volto a afastá-los. Tento uma segunda vez, já mais confiante, e passo o dedo indicador pelas minhas cicatrizes, não tão cicatrizadas assim. Sem sucesso, procuro o sangue que antes lá palpitava, tão feliz, tão cheio de vida. Mas não, as circunstãncias não o parecem permitir... Algum dia irão? Não, assim não.
Cansada de pensar no futuro, abro a minha caixa negra e retiro uma lâmina. Encosto-a à minha face e vejo os meus olhos nela refletidos.
Encosto-a à pele, e sinto o frio e o medo. Podia fazê-lo. E acabava, não haveriam mais problemas. Desenho com ela, ao de leve, uma linha vertical que me percorre a veia do braço. Deveria?
Sou brutalmente interrompida pelo toque do telemóvel e vejo no seu visor o nome que tanto desejava ver.
Atiro a minha caixa para debaixo do balcão - depois voltaria para a esconder melhor - e saio, pressionando ao mesmo tempo a tecla de atender.



Ouço a sua voz suave do outro lado da linha:
- Estou?
Sorrio, e respondo-lhe. Posso senti-la, mesmo através do telefone. O seu cheiro, o seu toque, o seu sabor. Não a conseguira tirar a cabeça desde aquele beijo rápido perto dos seus lábios - oh, aqueles lábios carnudos e rosados que eu tanto anciava - até me enfiar na cama, pensativo, sonhador.
- O que queres? - ela parecia fria e distante, e isso gelava-me, mas não desistiria. Não assim, não tão facilmente.
- O que é feito do tal encontro? - pergunto eu, agradecendo por ela não me poder ver corar tão fortemente.
À sua ausência de resposta, apresso-me a propôr:
- Hoje é sexta. Depois de jantar, no cais. Pode ser?
- Uhum - ela parecia ter dificuldades em falar. Estaria desinteressada? O meu estômago dá três voltas e a minha traqueia enrosca-se em si própria.
Surpreendo-me a mim mesmo quando dou comigo a deixar um silvo de raiva e umas palavras de mágoa escaparem abrutamente:
- Tipo, se é para me dares tampa, diz já que não queres. Já passei por demasiadas desilusões e longe de mim deixar uma miú... - mas sou interrompido:
- Tiago, não há nada que gostaria mais de fazer do que rever cada traço de ti. Não me façar voltar atrás com a minha decisão. - e desligou o telefone.

1.2.12

scars - cap. IV


Ela chegou cinco minutos mais tarde, claro. Não faz mal. Não me importava qque chegasse cinco horas atrasada. Esperaria por ela eternamente, só para desvendar o mistério que paira por trás dos seus olhos.
Chega com os fones nos ouvidos e os cabelos soltos, dançando com o vento numa silenciosa harmonia. Vem cabisbaixa, hesitante, como que calculando cada um dos seus passos antes de realmente os dar.
- O que estás a ouvir? - pergunto-lhe, mas não espero resposta. Tiro-lhe um dos fones das orelhas, reparando no seu brinco peculiar em forma de cobra que se enlaça à volta da orelha, e coloco-o na minha.
- Nirvana! Impressionante miúda. Tens bom gosto.
Ela levanta a cabeça repentinamente, arrancando-o com esse movimento o fone do ouvido, e penetra a minha alma com as esmeraldas, acesas de um fogo rebelde e indomável, a que ela chama de olhos.
- Importas-te de parar de me chamar miúda?!
- Eich, desculpa. Mas já agora, que idade tens?
- A minha definição de idade não é o que consta num papel, mas o que sentimos cá dentro.
- Eu tenho 17. No papel, vá.
- Não és um bocado velho para estares no 10º?
- Reprovei um ano. Não sou estúpido, não penses que sou. Mudei de país, e, consequentemente, de escola, e o sistema largou-me no primeiro buraco que encontrou. E tu não és um bocado nova?
- Avancei um ano.
- Uh, sobredotada? - mostrei-me arrogantemente surpreendido, mas não estava. Via-se que era esperta, madura e... e linda!
 


Esforçava-me para não corar enquanto Tiago mostrava tanto interesse na minha pessoa. As perguntas acumulavam-se e a conversa tornava-se cada vez mais interessante. Entre os  ligeiros sorrisos e os olhares que me lançava, eu ia-me perdendo, as minhas pernas tremiam e o meu coração estava acelarado. Ele aproxima-se, ficando a apenas três centímetros: sinto a sua respiração quente na minha face.
- Então miú... Mafalda. Deixemo-nos de empatar. De que és capaz, afinal?
Tento mostrar-me minimamente sã:
- Oh... Tens muito pela frente, antes de descobrires.
Ele lambe o lábio inferior, e mordisca-o, pensativo. Isto faz-me quase cair, mas mantenho me de pé, a tremer de nervosa, com vontade de...
- Acho que devíamos sair, um dia destes. - ele interrompe os meus pensamentos, enquanto me afasta uma madeixa de cabelo da frente dos olhos.
- Talvez.
- Não mereço um gesto de despedida, sequer? - ele aproxima-se até eu conseguir  sentir a batida do seu coração. Os nossos lábios ficam a milímetros de distância, e a minha vontade era acabar com isso. Mas não me ia render assim tão facilmente.
- Não me parece. - afasto-me, sorrindo com um dos cantos da boca - Foi uma boa conversa. Havemos de repetir.
- Sim. - ele agarra-me o braço e beija-me a face, inesperadamente. - Sim, havemos de repetir.